Publicado em Crônicas

O Novo

Esses dias acordei e decidi que queria fazer uma tatuagem. Assim de repente. Literalmente da noite para o dia. Passei anos sendo uma covarde, não querendo sentir essa dor, até que num belo dia, decidi que queria justamente descobrir como era essa sensação.

Nunca tinha passado pela minha cabeça fazer tatuagem, até que determinado dia, no passado, um amigo me enviou algumas imagens com tatuagens que ele considerava combinarem comigo, sem eu ter pedido, apenas porque ele faria uma e queria que eu fizesse também.

Teve uma imagem que gostei e pensei: “Se eu tivesse coragem, gostaria de fazer essa!”

Guardei aquela imagem por anos e a coragem chegou sem avisar. Lá estava eu num estúdio de tatuagem.

É estranho como o novo se apresenta. Eu estava prestes a sentir uma dor que eu não sabia como seria e isso foi levemente apavorante. Meu coração disparou e minhas mãos suaram. Na hora me veio na mente uma outra dor que eu não conhecia e que deveria ser ainda pior: a dor de um parto normal e rapidamente me deu alívio, de naquele momento ser apenas uma dor de tatuagem.

O tatuador ligou aquela maquininha barulhenta e meu coração veio na boca. Será que todo mundo que faz a sua primeira tatoo também se sente assim? Me preparei psicologicamente para uma dor inesperada, até que ele teve a gentileza de avisar: “Vou começar” e aguardei.

A minha primeira tatoo aos vinte e sete anos de idade. Que emoção. Doeu menos do que eu esperava. Quando o tatuador estava quase terminando, começou a doer mais, como se estivesse me queimando, mas consegui aguentar.

Suas agulhadas nunca demoravam mais que três segundos, tornando aquela dor do presente, logo uma dor do passado. Em menos de 10 minutos ele terminou. Minha tatoo estava lá. Algo registrado em minha pele que eu levaria para o resto da minha vida.

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Cadê aquele que estava aqui?

Esses dias estava andando pela rua, e me deparei com um aviso de desaparecimento de um gato branco, chamado Moby. Fiquei alguns segundos olhando para a sua foto, pensando em como os seus donos deveriam estar sofrendo com a sua ausência.

Quem aí já perdeu um animal de estimação?

Eu mesma já perdi diversas vezes (infelizmente, os deixei livres demais), e somente uma única vez, por um milagre dos céus, consegui achá-lo meses depois, sem qualquer tipo de ajuda. Aliás, esses avisos que colocam em postes, pontos de ônibus ou em murais de pet shop conseguem mesmo achar alguém? Nunca conheci uma pessoa que tivesse conseguido resgatar seu bichinho através desses pedidos de ajuda. Ao meu ver, depois que eles caem no mundo, dificilmente conseguimos trazê-los de volta.

Assim como o término de um relacionamento

Já presenciei muitas idas e vindas de vários casais, mas há quem diga que uma vez separado, nunca mais a relação será a mesma. Da mesma forma que quando você perde seu animalzinho, mesmo o encontrando depois, aquele tempo que viveram longe, nunca mais será recuperado. Você não saberá por onde ele andou, se por acaso se alimentou bem, e o mais importante: se ele encontrou um (a) novo (a) “dono” (a) durante esse tempo longe. E essas preocupações são válidas para ambas as situações. Ou vai me dizer que você nunca teve essa curiosidade quando seu namorado (a) ficou longe por um tempo?

Eu já passei por esse dilema de terminar e retomar um namoro, e digo com propriedade de causa, que não adianta voltar. Se da primeira vez já não deu certo, não pense que nas segundas, terceiras ou quartas vezes será diferente. Há erros que não adiantam serem persistidos.

Infelizmente isso se aplicou a mim, até quando consegui recuperar o meu cachorro (o tal do milagre dos céus que consegui reencontrar meses depois). Ele estava deitado no chão de uma calçada (em frente à escola em que eu estudava na época) totalmente abandonado e frágil. Quando o vi, senti um misto de felicidade e tristeza. Felicidade por finalmente encontrá-lo (já tinha até perdido as esperanças) e tristeza por constatar que durante aquele tempo longe, ele havia vivido mal, permanecendo na solidão das ruas.

Ele estava dormindo quando o vi. Me aproximei com o coração a mil, e o chamei: “Dog????” (pois é, o nome dele era esse rs), e como se estivesse ouvindo um chamado bem distante, ele levantou a cabeça lentamente, até que quando seus olhinhos me reconheceram, começou a abanar o rabinho todo feliz, se levantando sem jeito. Sabe quando há muito tempo você não vê uma pessoa, e de repente a encontra pela rua, e se cumprimentam surpreendidos pelo reencontro? Assim foi eu com o meu cachorro.

Quando digo que nem nessa situação não tive bons frutos após uma nova tentativa juntos, me refiro ao fato de que ele não viveu muito tempo depois disso. Após uns dias, descobri que ele estava doente (deve ter pegado muita chuva na rua), com uma forte pneumonia.

Claro que foi maravilhoso estar do seu lado até a sua morte, evitando que morresse sem receber nenhum tipo de cuidado e principalmente nenhum amor, como quando estava na rua. Mas fazendo uma análise geral, minha alegria novamente virou tristeza quando o perdi, e dessa vez foi definitivo. 💔

Agora imagine uma situação similar a minha – de reencontrar o cachorro – trocando o animal pelo seu parceiro (a) após um tempo separados. Quando isso acontece, sentimos o coração bater mais forte, achamos que tudo irá voltar ao normal, mas depois descobrimos que se trata de um caso perdido, e que aquela pessoa já não está mais na mesma sintonia. Talvez você que esteja lendo, seja uma exceção, mas tenho certeza que isso se aplica a pelo menos 80% da população.

A perda chega sem avisar. Às vezes você tem indícios de que está perdendo o outro (em relacionamentos), e as vezes não; de repente ele (a) já não está mais ali (também com animais de estimação). A perda faz você refletir sobre suas atitudes, sobre os bons momentos que tiveram (nunca pensamos nos maus, assim como as fotografias que só retratam os momentos de felicidade), mas o principal de tudo: perder alguém faz você amadurecer.

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Crônica – O Ator Promissor

Lá se foi mais um cansativo dia de trabalho e Júlia já se encontrava dentro do metrô, feliz por ir embora. Em determinada estação, entrou João, um moço sofrido e convincente em pedir esmolas. Júlia que nunca acreditou em histórias contadas por pedintes, não pôde deixar de reparar no rapaz, que possuía agonia e tristeza entranhadas em sua fisionomia e voz.

 
 João trazia alguns documentos em mãos, os quais erguiam pra que todos vissem como se fossem machucados em sua pele. Ele contou uma breve história em voz alta, sem se importar com a humilhação ou vergonha em revelar sua vida privada. 
 
O rapaz narrou tristemente sua falta de sorte em vir para São Paulo, acompanhado de sua família, com uma falsa proposta de emprego. Estava prestes a ser despejado, mas tudo o que mais queria naquele momento, era arrecadar um pouco de dinheiro para poder jantar com sua família mais tarde. 
 
A forma como João pronunciava as palavras, transmitia a todos sinceridade e um grande pesar por estar naquela situação, o rapaz foi tão comovente, que todos os presentes se calaram para ouvi-lo. Ele era pai de família, e sua esposa e filhos, o aguardavam fora da estação, enquanto ele tentava garantir o sustento daquela noite. 
 
Durante sua narrativa, João fazia das suas finanças um livro aberto, revelando de forma lúdica o valor exato que já havia arrecadado, mostrando as notas em sua mão, para logo depois contabilizar o quanto ainda restava.
 
Haviam lágrimas nos olhos dele e tristeza em seu tom. Enquanto falava, pessoas o interceptavam em silêncio, lhe dando pequenas quantias, mas com grande satisfação em ajudar. Júlia que nunca cedeu a um pedido de esmola antes, queria poder ajudá-lo, mas estava desprevenida naquele dia. 
 
Quando restava apenas R$10 para atingir seu objetivo, toda a plateia sentiu uma grande pressão. João anunciou choroso que faltava pouco, mas ninguém mais estendia a mão. Será que mais ninguém o ajudaria? Fez se aquele silêncio digno da pergunta final do show do milhão. 
 
Apenas R$10! João repetia agoniado, deixando todos os que ouviam constrangidos pela falta do dinheiro. Até que de repente, um jovem rapaz lhe presenteou com uma nota R$20! Todos bateram palmas!
 
Coincidentemente, nesse momento chegou à estação em que Júlia desembarcaria. Na plataforma, chamou João e lhe disse que sentia muito e que queria muito ter conseguido ajudá-lo na “vaquinha”. João, tocado com a bondade da moça, disse que poderia ajudá-lo se lhe conseguisse um emprego de verdade, talvez onde ela trabalhasse, quem sabe. Júlia achou seu pedido um pouco ousado, não sabendo se seria prudente, indicar uma pessoa que na verdade não sabia nada, além de um discurso emotivo no metrô. De qualquer forma, ficou com seu contato e disse que veria o que poderia fazer. 
 
Semanas, meses, ou até mesmo anos depois, Júlia se deparou novamente com João, naquela mesma situação, contando sua triste história de vida dentro do metrô, enquanto o transporte andava de estação a estação. Estupefata com a grande cara de pau do rapaz, não deixou que ele a visse, devido à grande vergonha que sentiu, por ter se deixado enganar por ele. 
 
Seria mesmo João mentiroso? Um promissor a carreira de ator? Ou um azarado sofredor, que ainda não tinha conseguido se levantar, daquela possível tragédia que narrava??
 
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Crônica – Inimiga Disfarçada

Eu chego de mansinho, aos poucos vou me instalando em você, assim como quem não quer nada.
Primeiro faço você pensar que sou a querida pressão baixa, você sua um pouco, começa a sentir uma fraqueza e fica esperando pela tontura. Obviamente não deixo isso acontecer, quero que tenha dúvidas mas não a certeza. Paro por aí. Por enquanto.

Depois lhe causo um leve enjoo, leve apenas por um momento, depois vou aumentando gradativamente seu mal estar, de uma forma que você nem consiga ficar quieto sentado. Ainda não sabe quem sou eu? Tudo bem, se souber assim tão rápido também, perde a graça.

Ainda achando que é pressão baixa e que está fraco, você tenta comer algo, acreditando que isso irá ajudar, mas meu amigo, essa sou eu, má, perversa, não é um petisco que vai me acalmar.

No último estágio você está desesperado para saber o que sou, para poder quem sabe por um fim nisso! Corre até o banheiro e acha que colocando tudo para fora irá resolver, tudo bem, pode resolver por um tempo, mas não até que eu determine que basta. Você vomita uma, duas vezes e continua sem entender o que está acontecendo. Me deixando cada vez mais satisfeita.
Será algo estragado que comeu? Será começo de dengue? Não meu amigo, ainda está frio.

No dia seguinte tenta me tapear evitando de comer algo o dia inteiro. Você não é de ferro e uma hora vai se entregar. Como sei das coisas e te conheço muito bem, sabia que ia acabar se rendendo a um bom jantar.
Novamente entro em ação, dessa vez pior, afinal quero descontar a raiva por ter me evitado o dia todo. Você não vai ao banheiro dessa vez, se esforçando em conviver comigo. Admiro sua coragem, pena que é inútil.
Não resiste a mim e vai dormir, quem sabe assim amenize a dor. Tudo bem, pode descansar, amanhã te pego de novo.

No terceiro dia você já amanhece na neura, achando que é gravidez, claro, enjoo frequente é um dos sintomas de bebê a bordo. Mas não, você ainda não me descobriu.

Infelizmente meu divertimento se aproxima do fim quando você resolve ir ao médico, pois lá me descobrem com facilidade. Droga! Odeio as pessoas de branco! Ainda assim terá que aprender a conviver comigo, pois mesmo se medicando estarei sempre à espreita, quando se estressar ou esquecer do remedinho. Essa sou eu, prazer gastrite.

Nota da autora:

A crônica foi criada por mim mesma, num momento de sofrimento enquanto minha gastrite estava atacada, como uma amiga me disse, “algo bom, saiu de uma coisa ruim”, dedico à todos que também sofrem desse mal.