Quando comecei a me descobrir como artista, ouvia muito que o trabalho do ator não é valorizado. Que o mesmo precisa ter mais de uma profissão para sobreviver. Eu não entendia muito como isso era possível, tendo como referência grandes atores que vemos em filmes e novelas. A questão é que, antes de chegar nesse patamar, você primeiro passa por um processo com muitos trabalhos no anonimato, até que a grande oportunidade chegue até você ou que você encontre ela.
É verdade que o trabalho do ator é bastante abrangente. Você pode trabalhar com teatro, eventos, festas infantis, job de personagens vivos, mas, o caminho que pode te levar até o estrelato mesmo, com cachês que brilham aos olhos, é somente com o mercado audiovisual. E a maneira mais fácil de entrar neste meio, é através da publicidade, como aqueles comerciais que costumamos ver nas mídias, com atores que, na maioria das vezes, são desconhecidos.
Eu estou há um ano tentando entrar nesse mercado e é notável como a galinha dos ovos de ouro é disputada! São muitos atores com o mesmo perfil que o seu para o cliente escolher. Fotos são enviadas, vídeo de apresentação anexado, links de trabalhos anteriores (que, no audiovisual, por enquanto, é nenhum 😬) e assim sigo na luta, até o dia em que farei o meu primeiro comercial. Eu confio no meu potencial e sei que uma vez dentro, muitas portas irão se abrir. Mas é preciso muita persistência e acreditar que a sua hora chegará.
Uma outra forma de você também ter cachês interessantes, é atuando em musicais. Musical grande! Daqueles que atores famosos compõem o elenco, do tipo que lotam todas as apresentações. Este é um patamar que também almejo alcançar, mas para esta oportunidade, não basta você só ser ator. O trabalho exige que você seja um artista completo! Isso inclui saber cantar, dançar, e, por que não, tocar algum instrumento? Sim, você precisa ser um verdadeiro ponto fora da curva! O difícil é investir em todo esse aperfeiçoamento com o cachê de ator em início de carreira, rs.
Mas o trabalho do ator é lindo! Quando estamos em ação, a última coisa em que pensamos é no cachê. Você está tão imerso, exercendo a sua arte, que muitas vezes acaba até aceitando jobs que estão aquém do que você realmente merece receber. O importante é não esmorecer quando os boletos chegarem e seguir em busca do seu sonho, pois chegará o momento em que o dinheiro será apenas uma consequência e não mais necessidade.
“O ator que faz a Hora Do Horror está pronto pra fazer qualquer coisa”. O preparador de elenco nos disse, no dia da audição. Na hora pensei que fosse porque assustar devia ser uma coisa muito difícil, mas, na verdade, ser atriz Di Hopi Hari vai muito além de fazer “bu”.
Tocar o terror até que é fácil! A make ajuda, o figurino também, sem contar a cenografia e os efeitos visuais e sonoros. Você rapidamente pega gosto pela coisa e sente uma enorme satisfação, além de se divertir, dando muito susto nos outros. 😁
Mas onde está o desafio então? No cansaço físico. Na garganta rouca toda semana. No acordar cedo e dormir tarde. Na longa viagem de trem. E lhe confesso também que nem todo visitante está lá para brincar e se divertir. Na verdade, a diversão de alguns é zombar do monstro, 🙄 diferente de uma plateia, em que há uma distância segura. Tudo isso é um trabalho de resistência.
Então sim, o ator que faz a Hora do Horror está mesmo preparado para fazer qualquer coisa. Pois aqui é uma atuação de improviso. Você tem o seu personagem, suas falas, mas as reações são as mais diversas e independente de qual seja, não se pode, nunca, sair do personagem. ☝🏻
Alguns se assustam, dão risada, outros xingam, assediam (pois é) e os mais legais também elogiam, reconhecem a qualidade da make, da sua performance e, junto com você, acham aquela experiência incrível.
Adoro os domingos em que o parque está mais lotado. Adoro a parede de gente que se forma pra assistir a gente passando. Adoro os aplausos que já começam na fila da montanha russa. Adoro os gritos e os celulares nos registrando, como grandes artistas que somos.
… Eu só lamento não poder postar nenhuma foto da minha personagem, para que vocês pudessem sentir só um pouquinho dessa magia. 👹
Mas nem sempre foi assim. Trabalhar no Hopi Hari é um processo de adaptação. Os dias de integração são os mais sofridos. No meu caso, que moro extremamente longe do parque, na Grande São Paulo, precisava sair às 4h da manhã de casa, para uma viagem de quatro horas, em que a minha chegada deveria ser às 8h. Exercícios de atuação, esquetes, nada que tivesse a real emoção do que seria estar em campo mesmo.
Logo na primeira semana de evento foram seis dias seguidos. Um dia de ensaio geral e outros cinco de evento oficial (por conta do feriado). Admito, eu pensei em desistir duas vezes. Uma depois do último dia de integração, em que passei por uma situação de suspeita de assalto no trem (tive a forte sensação de que seria assaltada quando quatro homens mal encarados entraram no vagão, tarde da noite) e a segunda quando senti uma imensa exaustão após o primeiro dia de evento. “Não conseguirei aguentar se for nesse ritmo sempre”, pensei alarmada. É exaustivo não só pela atividade em si, mas também pelo ir e voltar. Principalmente o voltar, quando você já está exausto e parece demorar mais do que o normal para chegar no destino final.
A primeira vez que me vi maquiada, me senti horrorosa. “É isso mesmo! Quanto mais feia, mais assustadora”, pensei. Eu fui apresentada ao látex e ele apresentado a mim. Não nos gostamos. Cheiro forte, consistência estranha na minha cara, muita novidade na minha vida de atriz. Felizmente convivemos somente por quatro dias, até que ele demonstrasse não ter se adaptado a mim.
No segundo dia de evento (sábado), o parque estava ainda mais cheio. Nessa noite experimentei acrescentar falas aos meus, até então, “rugidos sinistros” e notei que assustava mais e me cansava menos. Fui me conhecendo como atriz e me descobrindo como personagem. Se tal mudança foi boa para a minha performance, não posso dizer o mesmo da minha make. Conforme eu movimentava mais a boca, o látex cedia.
Quando aconteceu me frustrei, pois sempre ocorria justo no início do evento (por dois dias seguidos), então logo que o negócio começava a ficar bom, uma parte da minha make já se perdia. No entanto, quando reportei a minha maquiadora e ela decidiu mudar, ficou ainda melhor! Mais assustadora e mais fácil de remover.
O processo de remover a make também foi aprimorado. No começo eu usava o sabonete líquido disposto no banheiro. Eu lavava o rosto uma, duas vezes, achava que tinha tirado tudo (ou pelo menos quase tudo) e quando chegava no espelho ainda tinha um bocado. Um dia tive a brilhante ideia de experimentar lavar com shampoo Johnson (aquele amarelinho mesmo, de bebê) e descobri o que era a realeza na remoção de maquiagem. Então, já sabe, se um dia você trabalhar com maquiagem artística, já guarda essa dica!
Minha atuação em campo também foi um crescente de habilidades. Depois do susto com o balde de exaustão na primeira noite da Hora do Horror, nas próximas que se seguiram aprendi a dosar a minha energia para que durasse a noite toda (quero dizer, as duas horas de evento), distribuindo, com sabedoria, sem me desgastar tanto fisicamente outra vez.
No primeiro domingo de evento aconteceu algo, até então, totalmente inédito para mim. Fomos ovacionados e aplaudidos pelos visitantes, durante todo o trajeto, enquanto nos encaminhávamos para os nossos portais!! Sério… foi emocionante! 🤩 Toda aquela galera que estava no parque era só para ver a gente!! (Tá, foram para brincar nos brinquedos também, mas a Hora do Horror continuava sendo o evento principal, visto que acontece por temporada 😏). Formou-se aquela parede de gente nos filmando, elogiando, parecia desfile no tapete vermelho. 🤩
Após seis dias seguidos como monstrinha, a folga chegou como uma água no deserto. Ainda que fosse apenas dois dias (quarta e quinta, sexta recomeçava o evento), foi o suficiente para renovar as energias.
Próximo de dar um mês de Hopi Hari aconteceu algo inédito. Após duas semanas folgando direitinho (de segunda a quinta), senti uma coisa que até então ainda não tinha sentido: Saudade. Saudade de assustar as pessoas! 😲
Vejo que agora estou plenamente adaptada, totalmente familiarizada e confortável com a rotina. Além de estar dominando cada vez mais a arte do susto. 😈 “Isso aqui passa muito rápido”, lembro do diretor artístico nos dizendo no dia da audição. E realmente passa mesmo. Um mês já se foi e num piscar de olhos dois meses já terão passado também.
Primeiro dia de ensaio. Dos novos atores que entraram no espetáculo, tivemos que, um por um, ir até o palco e apresentar a nossa proposta de personagem. Um pouco envergonhada, acabei sendo a primeira. Sou muito boa com textos, o diretor gostou da história que criei, mas a minha interpretação ainda precisava ser aprimorada. Seja pelo tempo sem praticar, durante a pandemia, ou simplesmente pela inexperiência com um texto tão ousado, criado por mim mesma. Todos levaram propostas interessantes e a primeira reunião foi bastante produtiva.
A partir do segundo ensaio, o diretor passou a criticar demais a minha cena em que dou o meu monólogo. “Está linear”, “você está apenas cuspindo o texto” e “o que aconteceu com você?”, foram frases que ouvi com muita frequência e que me causaram grande incômodo ao longo do processo. E se já estava complicado dentro do texto que eu mesma escrevi, imagine com os cacos, ainda mais promíscuos, que o diretor acrescentou? Não teve jeito, tive que marcar ensaios extras.
Não que eu não seja uma boa atriz, eu sou, mas o bom nunca é o suficiente. O Renato, nosso diretor, é um profissional extremamente crítico e esta peça é muito mais potencial e desafiadora do que as outras duas em que atuei, então eu precisava evoluir proporcionalmente ao espetáculo em que eu estava participando.
Eu chegava mais cedo no teatro e o Renato me dirigia com mais dedicação, uma vez que aquele tempo estava reservado apenas para mim. Fizemos exercícios no palco para que eu me desprendesse dos meus bloqueios e me libertasse para poder interpretar uma personagem tão diferente de mim. “Não é você que está dizendo essas coisas, é a Lili. Esquece a Carol agora!”, ele me relembrava a todo momento, sempre que o meu ‘eu interior’ tentava me sabotar em cena.
Quando eu achava que estava melhorando, de repente, no ensaio seguinte, o Renato me repreendia novamente: “Você piorou, já esqueceu tudo que ensaiamos?!” eu olhava para ele com grandes olhos de interrogação. Afinal, como eu poderia ter regredido em algo que, segundo ele, nunca esteve bom? Rs.
Cena do espetáculo Bordel Brasil
As coreografias também foram um grande desafio, não só para mim, mas para todo o elenco. Não somos dançarinos profissionais – com exceção do Nathã, que também é coreógrafo – , mas nos dedicamos muito, ensaiando duas vezes por semana. Um dia só para as coreografias (lá se foram as nossas segundas-feiras a noite) e o outro para o espetáculo inteiro (deliciosas quintas-feiras). É… foram três meses de muita dedicação e empenho de todo o elenco, que, a propósito, é muito unido, responsável por elevar a energia do espetáculo lá em cima!
Um dia antes da pré-estreia, ensaiamos novamente e o Renato ainda não estava satisfeito com a minha cena. O que me deixou muito frustrada, afinal, como eu poderia melhorar do dia para a noite, algo que não consegui em três meses? Cheguei em casa extremamente incomodada. Fiz aquela sessão de terapia que fazemos com as nossas amigas, quando as coisas apertam e precisamos desabafar com alguém, até que me ocorreu buscar socorro em um livro. Procurei na minha biblioteca por um livro especializado em atuação, que eu tinha comprado há anos e nunca tinha lido: “Como Parar de Atuar” de Harold Guskin. “Nem que eu vá dormir depois que o dia amanhecer”, pensei determinada a sacrificar a minha noite de sono se fosse preciso.
Livro: “Como Parar de Atuar”
Gente, sério… Li apenas o prólogo e ele já me trouxe muita clareza do que eu poderia fazer para melhorar a minha atuação. Gravei áudios enquanto dava o meu texto e avaliei o quão diferente tinha ficado do que eu costumava apresentar nos ensaios. “Controla a ansiedade, parece que você está doida para sair do palco”, o diretor dizia sempre que encerrava a minha cena. Meu problema era a ansiedade, eu falava rápido demais e não dava os tempos certos da comédia. Pois é, a minha personagem é o respiro cômico do espetáculo. Amo fazer personagens engraçados, me identifico demais com o humor, mas não é tão simples quanto se imagina. É preciso a mesma dedicação e empenho que um personagem dramático, em que precisa chorar em cena.
Mas voltando aos ensinamentos do livro de atuação que li na madrugada, diferente do Método Stanislavski, o Harold Guskin, diz que o ator tem que atuar no improviso. Apesar de você saber que emoção você deve transparecer em determinadas falas, você deve reagir conforme a sua emoção no momento. Quando li isso, pensei alarmada: “Mas como isso poderia dar certo? Muito mais seguro você atuar conforme o ensaiado”, daí, como se lesse os meus pensamentos, no parágrafo seguinte o autor diz algo como: “Não tenha medo de ousar, de sair da técnica”.
Foi como se o livro se comunicasse diretamente comigo. Uma leitura fácil, de rápido entendimento e zero maçante. Ele orienta também que sejamos o personagem e ao mesmo tempo nós mesmos. Que devemos reagir como nós mesmos reagiríamos a determinada situação, como se fosse conosco. Foi quando comecei a fazer exercícios do que tinha acabado de aprender. Me gravei dando o meu texto como se fosse eu, Carol, contando para alguém, mas falando do jeito da Lili, como se eu mesma fosse ela, sendo eu, entendem? Dei as pausas que eu normalmente daria ao contar tal situação para alguém e acertei, pois eram essas pausas que o diretor estava me cobrando em cena. Enfim, tudo se encaixou! Eu finalmente tinha encontrado a minha personagem e o resultado de tudo isso seria vivido intensamente na noite seguinte!
Quando eu estava em cartaz com o segundo espetáculo em que atuei, “Seja Benvinda”, determinada vez precisei ir ao teatro num dia em que ocorria o ensaio de uma outra peça. Acabei ficando para assistir. Havia quatro meninas no elenco e naquele momento ensaiavam a coreografia de uma dança super sexy com cadeiras, ao som de Beyoncé. Meus olhos brilharam! Pensei: “Uau! Que demais! Queria poder fazer parte desse espetáculo também!” Sempre gostei de dançar, mas nunca tinha feito nada profissional nesse sentido. Eu já estava em outro espetáculo e os ensaios deste ocorriam em um dia que eu já tinha outros compromissos, fora que eu ficaria bastante atrasada em relação ao restante do elenco. Guardei aquela vontade só para mim e deixei para lá.
De repente, chegou a pandemia. O mundo foi surpreendido por algo que só víamos nos filmes de terror e suspense. Foi muito difícil lidarmos com uma situação tão adversa, algo completamente novo para todos nós, sem nenhum manual de instrução. Estabelecimentos fecharam, empresas quebraram e o espetáculo em que eu estava atuando também foi cancelado. Muitas pessoas adoeceram e morreram. Tudo por conta de uma doença que é uma roleta russa, não sabemos como o vírus agirá no nosso organismo, até que isso aconteça. Parei de atuar, parei de estudar, fiquei enferrujada.
Após alguns meses, ainda no ano catastrófico de 2020, quando o governador de São Paulo flexibilizou a quarentena, o diretor do espetáculo anunciou que voltaria a montar uma peça, consultando o interesse e disponibilidade de seus atores. Não seria mais “Seja Benvinda” e, antes de saber qual peça seria, já aceitei logo de cara! Estava louca para voltar aos palcos de novo. Conforme o elenco foi se manifestando, ele decidiu que, mais uma vez, tentaria montar o espetáculo “Bordel Brasil” que era, por acaso, aquele que eu tinha assistido a um único ensaio, meses atrás, me encantado e desejado poder participar! Coincidência? Destino? Presente do universo? Não sei dizer muito bem, só sei que foi um grande respiro em meio a tantas notícias ruins que estávamos vivendo.
Em outubro de 2020 começaram os ensaios e o diretor nos deu total liberdade para criarmos nossos personagens. Alguns já estavam definidos e prontos no roteiro do espetáculo, mas para os novos que entraram, ele deixou que nós mesmos criássemos a sua trajetória. Eu sempre gostei mais da comédia, sinto que tenho mais facilidade com o humor, então, decidi aproveitar a mesma personagem que fiz em “Seja Benvinda”, Lili!
Lili em “Seja Benvinda” era uma puta de bordel, do sertão, com sotaque nordestino, que protagonizava cenas de comédia. Era a única amiga de Rosinha (Julianna Chiaves), a ingênua filha da beata, com quem acabava se enrabichando depois, por iniciativa da própria ruivinha. As duas são flagradas pela beata enquanto se beijam e Rosinha, após ser renegada pela mãe, se muda para o bordel com Lili.
Lili e Rosinha em “Seja Benvinda”
Beijo de Lili e Rosinha
A filha da beata com a puta do bordel
Quando propus ao diretor aproveitar a Lili para “Bordel Brasil”, ele gostou! Mas eu precisaria criar uma gênese para ela. Escrever o seu monólogo de apresentação com a história da personagem. Não daria para usar a mesma trajetória que ela teve em “Seja Benvinda”, isso me limitaria demais, então, comecei do zero. Ela não seria mais macumbeira, muito menos tão bobinha, que vivia a sombra de Teresa (Jaine Mauriz) – outra personagem puta de Seja Benvinda -.
Em Bordel Brasil, eu queria que Lili fosse mais ousada, mais dona de si, mais engraçada e mais sensual. O que, na teoria, poderia até ser fácil, mas na prática não, não tanto quanto eu tinha imaginado. Ser sensual entre quatro paredes é uma coisa, agora ser sensual para uma plateia são outros quinhentos. Será que eu consegui? Vamos descobrir ao longo das postagens…
Um dia conheci um cara. Estava num cruzeiro da MSC com a minha mãe e conheci um homem metido a milionário. Ele dizia ter a sua própria empresa, que era muito rico, que viajava bastante, isso quando a categoria que ele escolheu naquela viagem era inferior a minha. “Vim com uns amigos que não queriam gastar tanto, então por isso não estou na categoria Yatch Club”. Justificou ele. “Gente milionária tem amigos milionários”, pensei desconfiada.
Não que me importasse a sua condição financeira, o que me incomoda são pessoas mentirosas querendo passar uma imagem do que não são. Desde o início do nosso flerte, não senti nenhuma verdade nele. Sabe quando algo soa falso em determinada pessoa? Eu devo passar uma imagem de moça ingênua, mas mal sabia ele que a veia jornalística corre em mim, sou um tanto investigativa e possuo um feeling bem apurado em relação as pessoas que interajo.
Naquela primeira noite de cortejo, inventou uma história, do qual não me lembro agora, para tentar me levar até a sua suíte, mas me esquivei e voltei para os meus amigos na festa. – Fiz algumas amizades a bordo. –
No dia seguinte, ele tentou uma reaproximação e ao notar que tinha voltado a estaca zero, que eu me comportava friamente, como se todo o flerte da noite anterior não tivesse existido, ele perguntou o que estava acontecendo, o porquê de eu estar mais distante. Honesta como sou, não fiquei de meias palavras e expus a grande verdade dos fatos:
-Não senti sinceridade em nada do que você me falou ontem. Fiquei com a sensação de que tudo que você contou foi só para me impressionar.
Ele deu risada e sacou seu celular do bolso. Me mostrou uma foto sua dentro de um carro – que não adiantou nada, pois não sou grande entendedora de carros, ao ponto de identificar qual é só pela foto de um volante – dentro de uma garagem de um estacionamento, o que me deixou a dúvida se ele só não estava fazendo um test drive, rs.
Depois me contou qual o montante de dinheiro ele tinha aplicado e mais uma vez desconfiei da sua história. Rico que é rico não fica fazendo inventário do quem tem para uma pessoa que mal conhece. A não ser que seja um novo rico, o que, segundo ele, não era o seu caso. Ou seja, mais uma vez ele fracassou em me conquistar com toda a sua descrição de sucesso financeiro.
Enfim, terminou o Cruzeiro, voltamos para nossas respectivas casas em São Paulo – coincidentemente ele também mora aqui – e já no dia seguinte me enviou uma mensagem, sugerindo que saíssemos.
Eu estava zero animada para sair com ele, no entanto, estava legal alguém me cortejando com tanto empenho daquele jeito – coisa de ego – , acabei cedendo. Eu estava com planos de ir ao cinema naquela tarde, então falei que se ele quisesse poderia me encontrar lá. Ele aderiu. Fomos assistir à um filme chamado: “Lizzie”, por escolha minha – muito ruim, por sinal – ele pagou pelos ingressos e a pipoca. Trocamos alguns beijos durante a sessão.
Na hora de ir embora, me ofereceu uma carona e aceitei. Seu carro era nada mais, nada menos que uma Mercedes. Um carraço. Seu painel era um tablet gigante. Percebi que ele queria exibir seu carro para mim quando durante o trajeto até a minha casa, ele interagiu com o veículo: “Hi Mercedes!” E o carro o respondeu com outro cumprimento. “Sintoniza na 106.9”, ele ordenou na sequência – não me recordo se a estação de rádio escolhida foi essa mesmo, apenas um exemplo meramente ilustrativo – e o carro fez um efeito sonoro “blu blu” de que estava atendendo ao pedido e logo a rádio solicitada sintonizou, tocando música para nós.
Não tive como não reagir a tanta modernidade: “Nossa que chique!”, elogiei. E ele: “Oi?” Com a maior cara de sonso, como se o seu objetivo tivesse sido alcançado, visivelmente esnobando por eu ter demonstrado um mísero deslumbre pelo seu carro. “Oi, tudo bem?!” Respondi sem paciência, levemente debochada.
Daí ele me contou que aquele carro era o último modelo lançado pela Mercedes, que só tinham 40 modelos no Brasil – ou no mundo, detalhes que também não me recordo agora – e assim seguimos com a viagem, que não foi muito longa, pois eu morava perto do shopping Frei Caneca, cujo escolhido por nós.
Próximo de chegarmos na minha casa, já adiantei que não poderia chamá-lo para subir, pois estava naqueles dias, cortando as suas asinhas de que se daria bem com aquela carona. Ele respondeu algo como se não estivesse esperando por nenhum “algo mais”, contudo, cantou pneu quando estava indo embora, visivelmente chateado.
Dois dias depois me convidou para comer pizza no seu apartamento. Aceitei o convite. Ele chamou um Uber para mim e me recebeu lá. O apartamento era bonito, mas ao mesmo tempo nada demais. Notei que não havia nenhum porta retrato ou quadros nas paredes, ou seja, uma moradia sem nenhum toque pessoal. Quando precisei ir ao banheiro, notei um fio de cabelo vermelho na pia e Dermacyd dentro do Box. Suspeito. “Esse cara deve ser comprometido”, pensei desconfiada.
Enquanto eu comia a pizza, notei outras coisas estranhas no apartamento, como a tal Caneca do Hulk, que me inspirou a escrever o monólogo. Fiquei com uma forte sensação de que aquele apartamento não era dele. Mais tarde, investiguei pelo seu endereço, que aquele apartamento estava no nome de um casal e não em seu nome. Estranho um cara rico, como ele se dizia ser, morar num apartamento que estava no nome de outras pessoas, além de todas as outras esquisitices que pude notar durante o encontro. Pelo que investiguei, ele era corretor de imóveis e não empresário como se pintou para mim. Enfim, meu feeling nunca erra.
Ele me enviou mensagens nos dias seguintes e me esquivei com a desculpa da falta de tempo, o que não deixava de ser verdade, mas quando a gente quer, dá um jeito, o que não era o meu caso. Conforme ele continuava insistindo, inventei uma desculpa mais definitiva para que parasse de me importunar. Falei que tinha voltado com o meu ex e mesmo assim, de tempos em tempos, ele tentava a sorte, me procurando novamente, sendo sempre deixado no vácuo.
“Momentos juntos”?? Até parece que foram tantos assim, rs
Quando voltei do seu apartamento, toda desconfiada e cheia de teorias conspiratórias, enviei um áudio contando da experiência para meus amigos e foi quando surgiu a ideia de transformar aqueles áudios em um monólogo, resultando então nesse trabalho engraçado e totalmente empírico!