Primeiro dia de ensaio. Dos novos atores que entraram no espetáculo, tivemos que, um por um, ir até o palco e apresentar a nossa proposta de personagem. Um pouco envergonhada, acabei sendo a primeira. Sou muito boa com textos, o diretor gostou da história que criei, mas a minha interpretação ainda precisava ser aprimorada. Seja pelo tempo sem praticar, durante a pandemia, ou simplesmente pela inexperiência com um texto tão ousado, criado por mim mesma. Todos levaram propostas interessantes e a primeira reunião foi bastante produtiva.
A partir do segundo ensaio, o diretor passou a criticar demais a minha cena em que dou o meu monólogo. “Está linear”, “você está apenas cuspindo o texto” e “o que aconteceu com você?”, foram frases que ouvi com muita frequência e que me causaram grande incômodo ao longo do processo. E se já estava complicado dentro do texto que eu mesma escrevi, imagine com os cacos, ainda mais promíscuos, que o diretor acrescentou? Não teve jeito, tive que marcar ensaios extras.
Não que eu não seja uma boa atriz, eu sou, mas o bom nunca é o suficiente. O Renato, nosso diretor, é um profissional extremamente crítico e esta peça é muito mais potencial e desafiadora do que as outras duas em que atuei, então eu precisava evoluir proporcionalmente ao espetáculo em que eu estava participando.
Eu chegava mais cedo no teatro e o Renato me dirigia com mais dedicação, uma vez que aquele tempo estava reservado apenas para mim. Fizemos exercícios no palco para que eu me desprendesse dos meus bloqueios e me libertasse para poder interpretar uma personagem tão diferente de mim. “Não é você que está dizendo essas coisas, é a Lili. Esquece a Carol agora!”, ele me relembrava a todo momento, sempre que o meu ‘eu interior’ tentava me sabotar em cena.
Quando eu achava que estava melhorando, de repente, no ensaio seguinte, o Renato me repreendia novamente: “Você piorou, já esqueceu tudo que ensaiamos?!” eu olhava para ele com grandes olhos de interrogação. Afinal, como eu poderia ter regredido em algo que, segundo ele, nunca esteve bom? Rs.
As coreografias também foram um grande desafio, não só para mim, mas para todo o elenco. Não somos dançarinos profissionais – com exceção do Nathã, que também é coreógrafo – , mas nos dedicamos muito, ensaiando duas vezes por semana. Um dia só para as coreografias (lá se foram as nossas segundas-feiras a noite) e o outro para o espetáculo inteiro (deliciosas quintas-feiras). É… foram três meses de muita dedicação e empenho de todo o elenco, que, a propósito, é muito unido, responsável por elevar a energia do espetáculo lá em cima!
Um dia antes da pré-estreia, ensaiamos novamente e o Renato ainda não estava satisfeito com a minha cena. O que me deixou muito frustrada, afinal, como eu poderia melhorar do dia para a noite, algo que não consegui em três meses? Cheguei em casa extremamente incomodada. Fiz aquela sessão de terapia que fazemos com as nossas amigas, quando as coisas apertam e precisamos desabafar com alguém, até que me ocorreu buscar socorro em um livro. Procurei na minha biblioteca por um livro especializado em atuação, que eu tinha comprado há anos e nunca tinha lido: “Como Parar de Atuar” de Harold Guskin. “Nem que eu vá dormir depois que o dia amanhecer”, pensei determinada a sacrificar a minha noite de sono se fosse preciso.
Gente, sério… Li apenas o prólogo e ele já me trouxe muita clareza do que eu poderia fazer para melhorar a minha atuação. Gravei áudios enquanto dava o meu texto e avaliei o quão diferente tinha ficado do que eu costumava apresentar nos ensaios. “Controla a ansiedade, parece que você está doida para sair do palco”, o diretor dizia sempre que encerrava a minha cena. Meu problema era a ansiedade, eu falava rápido demais e não dava os tempos certos da comédia. Pois é, a minha personagem é o respiro cômico do espetáculo. Amo fazer personagens engraçados, me identifico demais com o humor, mas não é tão simples quanto se imagina. É preciso a mesma dedicação e empenho que um personagem dramático, em que precisa chorar em cena.
Mas voltando aos ensinamentos do livro de atuação que li na madrugada, diferente do Método Stanislavski, o Harold Guskin, diz que o ator tem que atuar no improviso. Apesar de você saber que emoção você deve transparecer em determinadas falas, você deve reagir conforme a sua emoção no momento. Quando li isso, pensei alarmada: “Mas como isso poderia dar certo? Muito mais seguro você atuar conforme o ensaiado”, daí, como se lesse os meus pensamentos, no parágrafo seguinte o autor diz algo como: “Não tenha medo de ousar, de sair da técnica”.
Foi como se o livro se comunicasse diretamente comigo. Uma leitura fácil, de rápido entendimento e zero maçante. Ele orienta também que sejamos o personagem e ao mesmo tempo nós mesmos. Que devemos reagir como nós mesmos reagiríamos a determinada situação, como se fosse conosco. Foi quando comecei a fazer exercícios do que tinha acabado de aprender. Me gravei dando o meu texto como se fosse eu, Carol, contando para alguém, mas falando do jeito da Lili, como se eu mesma fosse ela, sendo eu, entendem? Dei as pausas que eu normalmente daria ao contar tal situação para alguém e acertei, pois eram essas pausas que o diretor estava me cobrando em cena. Enfim, tudo se encaixou! Eu finalmente tinha encontrado a minha personagem e o resultado de tudo isso seria vivido intensamente na noite seguinte!
Música presente na trilha sonora do espetáculo Bordel Brasil, para acessar a playlist clique aqui!